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quarta-feira, 10 de junho de 2009

606 mil crianças e adolescentes estão fora da escola no Ceará



O relatório do Unicef revela grandes desafios a superar, como garantir o acesso à escola e qualidade no ensino

No Ceará, 606 mil crianças e adolescentes de três a 17 anos estão fora da escola, segundo o relatório “Situação da Infância e da Adolescência Brasileira 2009”, divulgado, ontem pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), com base nos dados Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad/2007).

Analisando os resultados, o oficial de Educação do Unicef, Rui Aguiar, disse que o contigente de crianças e jovens excluídos da escola no Ceará é maior do que a população de muitos países. Um exemplo disso, é Beirute, Capital do Líbano, com 600 mil habitantes. Ou ainda a cidade de Veneza, com 543.189 habitantes.

Crianças de sete a 14 anos - faixa em que se concentra a obrigatoriedade do Ensino Fundamental - o índice cai para 2,4%. Pode parecer pouco, mas representa cerca de 35 mil crianças cearenses, segundo dados da Pnad 2007.

As mais atingidas são as crianças negras, indígenas, quilombolas, sob o risco de violência e exploração com deficiência. No Ceará, apenas 2,15% das crianças brancas de sete a 14 anos estão fora da escola, contra 4,09% das negras. A taxa de estudantes negros excluídos é ainda maior em Alagoas, chega a 12,5%, na Paraíba é de 7,14%, e no Maranhão a taxa de exclusão é de 6,25%.

Apesar desses indicadores negativos, Rui Aguiar diz que os estados brasileiros avançaram muito nos últimos 13 anos. “Mudamos o conceito de direito à educação para o direito a aprender. Há 13 anos, se discutia se o País teria condições de colocar as crianças na escola, hoje o desafio é que toda criança aprenda na idade certa”.

Ainda segundo a Pnad 2007, 97,6% das crianças cearenses entre sete e 14 anos - estão matriculadas na escola, representando cerca de 1,3 milhão de estudantes. A taxa do Estado é a mesma da nacional. Esse percentual cai para 97%, se incluirmos crianças de seis anos.

O relatório explica que isso acontece porque uma parte das crianças não está matriculada nem na Educação Infantil nem no Ensino Fundamental. A expectativa do Unicef é que essa taxa de escolarização dessa faixa etária cresça até 2010 em função da obrigatoriedade de implantação do Ensino Fundamental de nove anos.

Assegurar o acesso a todas e a cada uma das crianças e adolescentes à escola não é o único desafio a ser enfrentado. No Ceará, apenas 67% das 202.185 crianças conseguem concluir o Ensino Fundamental aos 14 anos, a idade certa. No Ensino Médio o problema é ainda mais crítico. Somente 44,3% dos 179.085 estudantes matriculados chegam ao final do curso, abaixo da média nacional, de 50,9%, de acordo com o relatório do Unicef.

Entre os estados nordestinos, a taxa de concludentes do Ceará no Ensino Fundamental é a maior, superando a média nacional, que é de 53,7%. O Rio Grande do Norte se classifica em segundo lugar, com um índice de concludentes no Ensino Fundamental de 53,4% e, na lanterna ficou Sergipe, com apenas 33,3% de formandos.

No Ensino Médio, o Ceará perde a liderança para Pernambuco, que apresenta taxa de concludentes de 49,2%. A menor taxa é de Alagoas, onde somente 39,7% dos alunos matriculados terminam os estudos.

As estatísticas revelam que as crianças concluíram o Ensino Fundamental, mas ainda resta o desafio de todas terminarem o Médio. “O próximo passo é que todas as crianças e adolescentes brasileiros concluam o Ensino Médio”, avalia Rui Aguiar. Para atingir esta meta, ele defende a priorização para a alfabetização de criança na idade certa. Os professores precisam de tempo para planejarem as aulas, se capacitarem e avaliarem os alunos. Por outro lado, é necessário melhorar a estrutura das escolas, muitas funcionam sem banheiros.

Embora o Brasil seja o maior país com programa de livro didático, o oficial de Educação do Unicef diz que sua grandeza criou desigualdades no Semiárido e entre a educação nos centros urbanos e rural. “Precisamos equacionar essas desigualdades. O Nordeste era o mais atrasado há 13 anos, isso ainda reflete”, argumenta.

No caso específico do Ceará, o destaque do Estado é o Ensino Médio, mas continua o desafio de alfabetizar na idade certa. Nesse sentido, o Ceará está dando condições aos estudantes que não tiveram base no Ensino Fundamental, de fazerem o Ensino Médio e cursos profissionalizantes.

Aguiar disse que o Ceará é um dos estados do semiárido com maior cobertura de educação infantil na faixa de quatro a cinco anos, atingindo uma taxa de 54,5%. Na faixa obrigatória, dos sete aos 14 anos, o índice no Ensino Fundamental sobe para 94,8%. Entre os adolescentes de 15 a 17 anos, a taxa de atendimento é de 42,2%.

DESAFIOS
Projetos reforçam o aprendizado

Ciente dos números ainda ruins em relação à educação de crianças e adolescentes no Ceará, a secretária da Educação do Estado, Izolda Cela, afirmou que a atual gestão está trabalhando para fazer frente aos desafios que a pobreza traz para a educação. “A forma que a Secretaria tem de correr atrás é qualificando a escola e os professores”, afirma.

Dentre os projetos do governo do Estado que apontam nesse sentido, Izolda Cela comentou sobre o Programa de Alfabetização na Idade Certa, lançado em maio de 2007 e que beneficia as crianças do primeiro e segundo ano do Ensino Fundamental de todas as escolas do Ceará.

O objetivo, de acordo com a secretária, é fazer com que a alfabetização das crianças seja um processo bem sucedido nas escolas. “A criança aprender a ler é uma prioridade. As avaliações já realizadas mostram que os alunos seguem por toda a educação básica e chegam ao Ensino Médio com graves problemas naquilo que é a ferramenta básica de qualquer estudante, a leitura”, diz.

Conforme a secretária, o trabalho do Programa Alfabetização na Idade Certa é feito por meio de apoio à gestão da educação nos municípios e como uma consultoria permanente para melhorar o processo de gestão das escolas. Além disso, o apoio pedagógico é dado pelo Estado, que seleciona livros estruturados para as escolas escolherem. “Em 2008, foram mais de 320 mil livros somente para o primeiro e segundo ano e capacitação para todos os professores”, afirmou.

Ao fim de cada ano, os alunos são submetidos a uma avaliação externa, que tem como objetivo verificar o nível de leitura dos estudantes. Na primeira prova, em 2007, conforme Izolda, foi verificado um sério comprometimento da capacidade de leitura dos alunos.

“Mais de 30% das crianças terminaram o ano de 2007 sem saber reconhecer nem os sons das letras. Somente 14% delas tiveram uma situação considerada desejada”, informou. Mas a situação já melhorou com a segunda avaliação, realizada no fim do ano passado. Segundo ela, os resultados, que serão divulgados no próximo dia 22, já demonstram significativa melhora, provando que os municípios realmente trabalharam o problema.

A capacitação dos professores envolve ainda a formação de clubes de leitura, para que os docentes possam também descobrir o prazer de ler e passar o hábito aos alunos. Até o fim do mês, conforme a Secretária, cada sala de primeiro e segundo ano receberá um kit de leitura, com suporte e diversos livros infantis.

Izolda ressalta que, a Alfabetização na Idade certa acaba refletindo em toda a escola e as outras séries acabaram aproveitando muito do que foi trabalhado. “Provavelmente o Ceará tenha um resultado melhor para o quinto ano de 2009”, diz.

Primeiro aprender

Voltado para alunos do primeiro ano do Ensino Médio, o Programa Primeiro Aprender, também do governo do Estado, pretende reverter as altas taxas de reprovação e abandono escolar dos alunos que ingressam no Ensino Médio. “A entrada no Ensino Médio parece mais traumática para esse alunos, inclusive em função da falta de base para o que vai ser estudado”, diz. Por isso, a Secretaria de Educação determinou que os primeiros meses de aula fortaleçam a competência de leitura dos alunos, fazendo com que eles se aperfeiçoem na leitura ao interpretar textos.

Além disso, são reforçados os conteúdos básicos da matemática, essenciais para a assimilação de outras disciplinas. O trabalho está sendo realizado nas cerca de 160 mil escolas estaduais. Como o programa foi iniciado, na maioria das escolas, no segundo semestre de 2008, somente ao fim deste ano uma avaliação ira mostrar se as mudanças resultaram numa elevação do aprendizado.

A secretária de Educação fala ainda sobre as escolas de educação profissional, em tempo integral, que incluem o currículo do Ensino Médio e oferecem também cursos profissionalizantes. Iniciado em agosto de 2008, o projeto conta hoje com 51 escolas do tipo. Conforme Izolda Cela, o objetivo é chegar ao fim de 2010 com 100 escolas de educação profissional. “Nós já estamos em processo de licitação para a construção de outras 50”, diz.

SUELEM CAMINHA E RENATA BENEVIDES
Repórter

A OPINIÃO DO ESPECIALISTA
Direito de Aprender

RUI RODRIGUES AGUIAR
Especialista em Programas do UNICEF
fortaleza@unicef.org

O relatório do Unicef destaca as conquistas e os desafios do semi-árido, dos grandes centros urbanos e da Amazônia, ressaltando os avanços educacionais dos últimos 13 anos no Brasil, período marcado pela promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação e pela aprovação da emenda constitucional que criou o Fundo de Manutenção do Ensino Fundamental, agora ampliado através do Fundeb.

Desde a promulgação da Declaração dos Direitos Humanos, o direito à educação está gradativamente se transformando no direito de aprender. Para fazer frente a estes desafios, o governo brasileiro tem consolidado o maior sistema de educação pública da América Latina. O País tem um dos mais eficientes sistemas de informações educacionais, um dos maiores programas de distribuição de livros didáticos e merenda escolar.

Como estão as crianças brasileiras? Infelizmente, a resposta não pode ser dada positivamente para todo o território nacional. Das crianças que estão na escola, muitas delas não são alfabetizadas antes dos oito anos de idade. Nem todos os adolescentes chegam a concluir o ensino fundamental e nem todos aqueles que o concluem ingressam no ensino médio. Embora tenha crescido a oferta de educação superior, as oportunidades para adolescentes e jovens de baixa renda ainda não os alcançam em função da difícil tarefa de conciliar o primeiro emprego com uma jornada de estudos para a qual ingressam com inúmeros problemas de aprendizagem.

O grande desafio do País é colocar a educação na pauta cotidiana. Este dever só se conclui quando cada brasileiro discutir educação com a mesma prioridade que discute política, economia e segurança. Quando a vida de cada criança e adolescente for reconhecida na sua importância como ser humano. É preciso que a Educação e o Direito de Aprender façam parte de um projeto que tenha como princípio democrático aquele em que os que estão à frente digam: “Nenhum ficará para trás”. A única maneira de todos estarem juntos, com as mesmas oportunidades, é pelo acesso à educação de qualidade.

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